São Francisco de Assis (Óleo de Bartolomé E. Murillo)
Acompanhando o verdadeiro São Francisco está sempre a imagem que cada época faz dele, com sua parte de parcialidade, mitificação, lendas e falsas atribuições. Isso é válido também para hoje, apesar dos grandes progressos alcançados rumo a um maior conhecimento do personagem e da sua época.
Um claro exemplo disso é a chamada “Oração de São Francisco” ou “Oração Simples”, digna certamente do Pobrezinho de Assis, que todos atribuem a ele, mas que é de um autor anônimo que viveu há apenas um século.
Na busca das origens desta bela oração, não foi possível ir além do mês de dezembro de 1912, quando foi publicada em “La Clochette” uma “petite revue catholique pieuse” fundada pelo sacerdote e jornalista Esiher Suquerel (+ 1923). Uma das hipóteses é de que ele mesmo tenha sido o autor da prece.
Em 1913, ela foi descoberta por Louis Boissey (+ 1932), apaixonado pelo tema da paz; e, em janeiro, foi publicada nos “Annales de Notre Dame de Paix” (França), citando como origem “La Cloclette”.
No mesmo ano, Estanislau de la Rochethoulon Grente (+ 1941), fundador de “Le Souvernir Normand”, publicou-a em sua revista.
Em 20 de janeiro de 1916, apareceu no “L’Osservatore Romano”, segundo o qual “Le Souvenir Normand” havia enviado ao Santo Padre “o texto de algumas orações pela paz. Entre elas, compraz-nos reproduzir uma, dirigida especialmente ao Sagrado Coração. Eis aqui o texto, com sua comovente simplicidade”.
Em 3 de fevereiro do mesmo ano, “La Croix” de Paris dava a conhecer que, em 25 de janeiro, o cardeal Gasparri havia escrito ao marquês de “La Rochethulon et Gante”, agradecendo-lhe pelo envio feito à Sua Santidade. Três dias depois, o mesmo jornal reproduziu o texto publicado pelo “L’Osservatore Romano”.
Foi naqueles dias que o capuchinho Etienne de Paris, diretor da Ordem Terciária, fez imprimir em Reims uma imagem de São Francisco, com a invocação ao sagrado Coração em seu verso. No rodapé, sublinhava que aquela oração, retirada de “Le Souvenir Normand”, era uma síntese perfeita do ideal franciscano que precisava ser promovido na sociedade da época.
Os primeiros que relacionaram a oração a São Francisco foram os “Chevaliers de la Paix” ou Cavaleiros da Paz, uma organização protestante, às vésperas do 7º centenário da morte do santo (1926).
A partir de 1925, a oração começou a ser difundida pelo mundo afora, a partir dos Estados Unidos e do Canadá. Seguiram-nos os países germânicos. Na mídia católica francesa, começaram a atribuí-la a São Francisco em 1947.
Na segunda metade do século 20, a “Oração Simples”, como a chamavam em Assis, começou a tornar-se popular sobretudo quando os frades do Sacro Convento a imprimiram em diversas línguas, sob o seu nome, nas imagens de São Francisco.
O resto da história nós já conhecemos: difusão no mundo inteiro, infinidade de versões em cada língua e em todas as línguas, devido à diversidade de traduções e “retraduções”, e muitíssimos cânticos inspirados nela.
Esta prece se tornou quase a oração oficial dos escoteiros e das famílias franciscanas; os anglicanos a consideram como a oração ecumênica por excelência; algumas igrejas e congregações protestantes a adotaram inclusive como texto litúrgico; ela foi pronunciada em uma das sessões da ONU; e, ultimamente, está tendo uma grande acolhida entre as religiões não-cristãs, sobretudo desde que Assis se tornou o centro mundial do ecumenismo e do diálogo inter-religioso.
O segredo deste grande sucesso se deve sobretudo à atribuição a São Francisco, mas também à riqueza do conteúdo, unida à sua simplicidade; e é precisamente o conteúdo e o título original, “Invocação ao Sagrado Coração”, que permitem atribuir sua composição a um autor não anterior ao início do século XX.
Uma fonte de inspiração pode ter sido a seguinte fórmula de consagração ao Sagrado Coração, promulgada por Leão XIII em 1899 e recomendada por São Pio X em 1905 para ser recitada anualmente:
“Sê o Rei de todos os que vivem no engano do erro ou que por discordarem de Vós se separaram; chamai-os ao porto da verdade e da unidade da Fé para que assim, em breve, não haja mais que um só rebanho sob um só Pastor. Sê o Rei de todos os que estão envoltos nas superstições do paganismo e não recuseis tirá-los das trevas para traze-los à luz do Reino de Deus. Obtende, oh Senhor, a integridade e liberdade segura para a vossa Igreja; dai a todo o povo a tranquilidade da ordem”.
Tinha razão, de qualquer maneira, o Pe. Etienne de Paris quando encontrava nesta oração anônima certa concordância com o espírito e o estilo franciscanos. Para comprovar isso, é suficiente ler, por exemplo, a Admoestação 27 de São Francisco, escrita como uma estrofe:
Aonde há caridade e sabedoria, não há medo nem ignorância.
Onde há paciência e humildade, não há ira nem perturbação.
Onde à pobreza se une a alegria, não há cobiça nem avareza.
Onde há paz e meditação, não há nervosismo nem dissipação.
Onde o temor de Deus está guardando a casa (cf. Lc 11,21),
o inimigo não encontra porta para entrar.
Isso é o que faz que a oração seja considerada por muitos como franciscana e, ainda que seja um erro atribuí-la a São Francisco de Assis, com certeza ele não se importaria em assiná-la.
Oração da Paz
Senhor: Fazei de mim um instrumento de vossa Paz.
Onde houver Ódio, que eu leve o Amor,
Onde houver Ofensa, que eu leve o Perdão.
Onde houver Discórdia, que eu leve a União.
Onde houver Dúvida, que eu leve a Fé.
Onde houver Erro, que eu leve a Verdade.
Onde houver Desespero, que eu leve a Esperança.
Onde houver Tristeza, que eu leve a Alegria.
Onde houver Trevas, que eu leve a Luz!
Ó Mestre,
fazei que eu procure mais:
consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna!
Amém.
Fonte: Aleteia.org
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