Mauricio Araújo de Sousa, ao longo de seus até agora 77 anos, criou personagens suficientes para povoar uma pequena cidade. Eles se dividem em turmas. A mais famosa, claro, é a da Mônica, mas existem outras. Chico Bento tem a sua. Tina também, e até o cachorrinho Bidu tem uma.
Jogadores de futebol, então, são um caso à parte: tantos contam com turmas (Pelezinho, Ronaldo, Ronaldinho, Dieguito e Neymar) que nossa hipotética Cidade Maurícia abrigaria um dos campeonatos do esporte mais disputado do planeta. A mesma teria ainda seu cemitério (onde reinaria a turma do Penadinho), seus adolescentes (Mônica Jovem) e, em seu entorno, uma densa floresta habitada por índios da turma do Papa-Capim e pelos animais da turma da Mata.
Mas o que poucos sabem é que tantos personagens são geridos por uma companhia sui generis: em uma época de corporações impessoais e profissionalizadas, a Mauricio de Sousa Produções Ltda. (MSP) é uma empresa fortemente familiar, com partes de sua estrutura produtiva ainda artesanais, constante presença de seu fundador e presidente pelos corredores – e valor estimado em bilhões de dólares.
Mauricio recebeu a FORBES Brasil no grande edifício da companhia situado na Lapa, bairro da Zona Oeste paulistana. Ali, entre quase 400 funcionários, ele lidera uma corporação que detém 86% do mercado nacional de quadrinhos infanto-juvenis – o que se traduz em média a 2,5 milhões de revistinhas colocadas nas bancas mensalmente. Ao considerarmos alguns produtos que levam o selo Turma da Mônica, os números espantam: são vendidos a cada mês 800 mil litros de sucos TM Sufresh, 750 toneladas de itens alimentícios da Perdigão, 650 toneladas de maçãs Fischer e 9,5 milhões de unidades do miojo da Turma da Mônica.
É um império, mas (e este é o ponto mais interessante da estrutura da MSP) trata-se de um império familiar que, ao contrário de outros do tipo, funciona. Dos dez filhos do empresário, nada menos que sete estão na companhia, e em postos de comando – a começar por Mônica Sousa, diretora comercial. Sua atual esposa, Alice Takeda, lidera os roteiristas. Uma filha de Mauricio e Alice, Marina, herdou o talento do pai para o desenho e trabalha ali nesta área. Um irmão de Marina, Maurício, atua em uma das mais novas ramificações do grupo, a que trata de games. Há ainda netos do patriarca trabalhando na MSP (“Dois, por enquanto, mas logo serão mais”, conta ele) e uma irmã, Yara Maura, que responde pelo escritório da companhia nos EUA.
A rotatividade de mão de obra é baixa (“As pessoas entram aqui e ficam por décadas. Meu funcionário mais antigo tem 46 anos de casa”) e, de forma incomum para uma corporação desse porte, há várias atividades que ainda são realizadas artesanalmente, como o preenchimento dos balões dos quadrinhos com a fala dos personagens. “Eu poderia botar um computador para fazer isso, mas aí as letrinhas ficariam todas idênticas, seria monótono. E eu não quero perder a ótima funcionária que cuida dessa tarefa”, explica Mauricio. Não se tem notícia de estúdio algum com o porte da Mauricio de Sousa Produções (que, aliás, é a quarta maior empresa do tipo no mundo) que trabalhe sob tais parâmetros.
E, no entanto, vem dando certo. A companhia elevou seu faturamento em 10% no ano passado. Para 2013 projeta que o mesmo crescerá entre 15% e 20%. A MSP não revela números devido às cláusulas de confidencialidade de seus contratos de licenciamento, mas Mauricio conta um episódio que dá uma boa ideia do valor da companhia: há alguns anos um grupo empresarial se propôs a fazer um aporte de recursos na MSP, o qual seria seguido por uma abertura de capital. Os valores? Nada menos que US$ 2 bilhões, divididos em uma primeira parcela de US$ 900 milhões e uma segunda de US$ 1,1 bilhão. A proposta foi rejeitada (e não foi a primeira a ter tal destino) porque Mauricio não aceita perder o controle do grupo, em especial dos núcleos de criação de conteúdo.
Ele defende o modelo de gestão que pratica. “Eu não saberia trabalhar em uma empresa que não fosse familiar. Eu preciso de turma, de contato, desse papo com os parentes, das intervenções da Mônica. Aprendi muito com meus filhos ao longo do tempo; minha filha mais velha tem mais de 50 anos, o mais novo tem 14. Estar ao lado deles é uma escola maravilhosa para mim sob todos os aspectos”, diz. Mauricio afirma não se considerar um empresário (ele se vê sobretudo como quadrinista), mas é claro que é. Um dos mais peculiares do Brasil, e inequivocamente bem-sucedido.
Caminhar pelos corredores da MSP é uma festa para os olhos. Nas salas, nas mesas e até nos elevadores há pôsteres, bonecos e toda sorte de produtos remetendo ao universo da turma da Mônica. Mauricio aparenta boa saúde, e demonstra conhecer pelo nome muitos de seus funcionários. Seu volume de voz é baixo, e seu porte físico é pequeno. Ele não desenha nem faz mais roteiros de histórias, com a única exceção das de Horácio, o dinossauro pacífico e gentil que é seu alter-ego no mundo dos quadrinhos (e que ganhará um desenho animado em 3D em 2015). Não é afeito a polêmicas e diz que seus gibis não devem levantar bandeiras, mas sim incorporá-las quando já estiverem erguidas. “Isso é para evitar sentimentos negativos, represálias e críticas contra o conteúdo das historinhas. Temos de estar junto do público, não à frente dele”, justifica.
Vale lembrar que uma das crianças da turma da Mônica, o Xaveco, é filho de pais separados; mas o único personagem aparentemente – porém não declaradamente – homossexual já surgido nas revistinhas da empresa (Caio, amigo de Tina) apenas deu as caras rapidamente dois anos atrás e, depois disso, não foi mais visto. Em contrapartida, Mauricio já criou personagens soropositivos e outros portadores de deficiências visual, auditiva e motora, bem como autismo e síndrome de down – todos representados de forma simpática e humana nas histórias.
E para onde vai agora a MSP? Existem duas linhas que devem ser seguidas. A primeira é a área pedagógica: cartilhas voltadas à alfabetização e revistas em línguas como inglês e espanhol (que já existem e são sucesso de vendas) para ajudar as crianças a conhecerem outros idiomas. “As pessoas nos veem com um cunho social, educacional. Já empregam nosso material com fins didáticos e paradidáticos”, pondera Mônica de Sousa. “Temos autorizado de 100 a 200 pedidos por mês de uso dos personagens em publicações educativas.”
A outra vertente pela qual a empresa avançará é a busca de adequar- se às mudanças que vem sofrendo, nas últimas décadas, seu público-alvo. Mauricio está atento ao fato de que a infância já não é o que costumava ser; as crianças amadurecem e perdem o interesse por brincadeiras mais cedo. Daí o surgimento em 2008 da turma da Mônica Jovem, hoje a revista mais vendida da MSP (e uma das mais vendidas de todo o planeta, só perdendo em tiragem para alguns mangás japoneses).
Em breve estará nas bancas a versão “Jovem” do Chico Bento (o qual vai cursar faculdade de agronomia e morará em uma república de estudantes) e uma grande estreia: um novo personagem, Marcelinho, que se dedicará a ensinar às crianças como cuidarem de seu dinheiro (mesmo que seja só o da mesada). Marcelinho nascerá inspirado no filho caçula do quadrinista, Marcelo.
Mauricio nasceu na pequena cidade paulista de Santa Isabel, a 57 quilômetros de São Paulo. Seu pai, Antonio Mauricio de Souza, também era um artista, mas nunca conseguiu firmar-se nessa carreira. O cartunista José Alberto Lovetro (conhecido como Jal), assessor de comunicação de Mauricio, conta que o pai do futuro quadrinista, ao perceber que seu filho mostrava interesse por desenho, deu-lhe um conselho precioso: “Mauricio, para dar certo nesse trabalho, divida sempre o dia em duas partes – pela manhã, cuide de sua arte; à tarde, cuide dos seus negócios”.
Está claro que o filho resolveu seguir o conselho paterno, e deu conta muito bem de ambas as tarefas. Seu Antonio, certamente, estaria orgulhoso se pudesse vê-lo agora.
Liderando as coelhadas
Dona de um gênio forte, decidida, questionadora e organizada: assim é Mônica. Mas não (ou não apenas) a dos gibis; essas são as características de Mônica Spada e Sousa, a segunda filha de Mauricio, que inspirou a personagem e é o contraponto prático ao ramo artístico da família. Mônica é a executiva da turma do Mauricio.
“Gostaria muito de contar quanto ganhamos sobre o preço de capa das revistas, porque sempre acho que recebemos pouco. As empresas que licenciam nossos personagens cada vez querem pagar menos royalties. Já eu, é claro, quero o contrário”, diz. Internamente, ela também é uma lutadora: “Há algum tempo consegui, após muita luta, abrir dentro da MSP um departamento de design que serve só à área comercial. Ninguém queria isso, só eu. Foi uma briga grande, na base da coelhada mesmo”, conta, com um leve sorriso.
Com a óbvia exceção de seu pai, ela é o membro da família que há mais tempo está na empresa. Começou como vendedora na antiga Lojinha da Mônica aos 18 anos, e conta ter sofrido preconceito por ser filha do dono. Já atravessou fases extremamente tensas na MSP: “Tanto que já pedi demissão várias vezes”. Demissão? “Sim, mas meu pai nunca aceitou. Ele foge de mim quando vê que estou brava e só reaparece quando me acalmo”, diz, agora às gargalhadas.
Mônica aparenta menos que seus 52 anos. É formada em desenho industrial e mãe de dois filhos (um dos quais trabalha na MSP). Após Mauricio, é talvez quem melhor personifica a empresa. “Ficamos 16 anos na Abril e saímos porque não aceitávamos as baixas tiragens de nossos gibis. Fomos para a Globo e, em um mês, a tiragem de nossas revistas dobrou – e depois triplicou, e depois quadruplicou. Provamos que a demanda por nossos produtos não vinha sendo atendida”, relata. “Infelizmente, depois de algum tempo começamos a discordar também da Globo em alguns aspectos. Em 2006 mudamos novamente e agora somos editados pela Panini, que tem se mostrado uma grande parceira”, diz ela.
“Creio que abriremos o capital em algum momento, desde que o controle fique com meu pai. Quanto à sucessão, já estamos cuidando disso. Um escritório foi contratado para organizá-la”, conta ela. “Sobretudo, amo meus irmãos, embora, é claro, possa ter mais afinidade com uns e menos com outros. Mas sabemos que precisamos nos manter em acordo. Disso depende o futuro da empresa”, finaliza Mônica, com uma franqueza que não cairia mal em sua xará dos quadrinhos.
Fonte: Forbes Brasil
[…] não ser a razão mais nobre, mas o fato é que li uma matéria na Forbes onde registrava-se o alto faturamento de Maurício de Sousa com o mundo dos quadrinhos e isso me despertou o interesse de voltar a […]