Por João Ozorio de Melo *
A mais alta instância do Poder Judiciário de qualquer país tem a função institucional de servir como guardiã da Constituição da nação, entre outras nobres atribuições. Mas, às vezes, tem de se ocupar com questões, pode-se dizer, “menos nobres”. Tais como o status jurídico dos produtos da horta. Nesta sexta-feira (10/5), uma decisão da Suprema Corte dos EUA, tomada há 120 anos, lembrou a comunidade jurídica americana desse detalhe: 10 de maio de 1893 foi o dia em que a Suprema Corte decidiu que tomate é um vegetal — e não fruta.
A conclusão histórica, segundo Jeremy Byellin, autor do blog Legal Research da Thomson Reuters, é tão verdadeira hoje como há 120 anos: “A Suprema Corte está sempre certa, mesmo quando está redondamente errada”. Esse é o resultado do poder que a nação confere à mais alta corte do país, ele afirma.
Então está decidido que tomate é, para todos os fins jurídicos, um vegetal. Mesmo sendo inequivocamente uma fruta, como explicam os dicionários. Tomate é o fruto do tomateiro, botanicamente classificado como “Solanum Lycopersicum – Solanaceae)” — mais reconhecido popularmente como o pé de tomate. O tomate faz parte da família das berinjelas, pimentas e pimentões, entre outras frutas da horta — que, por sinal, não são do pomar.
“Dicionários não servem como provas”, argumentaram os ministros da Suprema Corte, quando advogados declinaram os textos de dicionários prestigiosos, como Webster, Worcester e Imperial Dictionary. “Dicionários só são admitidos, não como provas, mas como uma ajuda para a memória e o entendimento da corte”, eles alegaram. Isto é, servem como referência apenas.
O caso chegou à corte por causa de uma discussão sobre a incidência do imposto de importação sobre o tomate. Uma lei, que há época completava dez anos, impôs a cobrança do tributo, com a alíquota ad valorem de 10%, sobre a importação de vegetais. Isentou as frutas.
Os importadores John Nix, John W. Nix, George W. Nix e Frank W. Nix moveram a ação contra a autoridade alfandegária — ação que foi denominada Nix versus Hedden — para recuperar tributos que foram obrigados a pagar na alfândega, porque o “cobrador de impostos” não sabia que tomate é uma fruta.
Eles perderam a causa em instâncias inferiores e recorreram à Suprema Corte, alegando que o tomate, botanicamente falando, era uma fruta. Mas perderam. Para os ministros, bastava eles irem à cozinha para saber a diferença: tomate é servido junto com o prato principal; fruta é servida na sobremesa.
Independentemente dos entendimentos dos botânicos e dos dicionários, as pessoas consomem o tomate como um vegetal, disseram os ministros — mesmo reconhecendo que o tomate era colhido em uma parreira. Além disso, o povo entende que o tomate, em seu significado comum, é um vegetal, afirmaram.
Para que não houvesse mais dúvidas, a Suprema Corte estendeu sua decisão a pepinos, abóboras, berinjelas, pimentas, pimentões, ervilhas e feijões. “Botanicamente falando”, nenhum deles é vegetal. A ervilha e o feijão, por sinal, são classificados como sementes.
No caso do feijão, que poderia ser estendido à ervilha, os ministros tinham em que se basear: um precedente da própria Suprema Corte. Em 1883 (dez anos antes, portanto) a Suprema Corte examinou o caso Robertson versus Salomon, em que a mesma lei de imposto sobre importação era a razão do litígio. Sementes também eram isentas do pagamento do tributo na alfândega.
Não importa. Ninguém come uma semente com arroz. O feijão é produzido para servir de alimento — e não como semente para ser plantada. Assim, tomate é uma fruta, feijão é uma semente, para os botânicos, dicionários e quem quiser assim acreditar. Para todos os fins jurídicos, são vegetais, nos EUA, há mais de 120 anos.
* João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Fonte: Consultor Jurídico
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