Com a aquisição, nesta quinta-feira (14), da Heinz, mais tradicional marca de molhos dos Estados Unidos, pelo grupo 3G, o bilionário brasileiro Jorge Paulo Lemann confirma, ao ter como parceiro o conservador bilionário Warren Buffet, seu senso de oportunidades. Em operação de US$ 28 bilhões – a quarta maior do setor em todos os tempos – Lemann volta a preencher as páginas dos jornais pelos seus atos.

Heinz

Aliado de seus sócios há mais de 30 anos, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles, com quem iniciou sua foturna – atualmente avaliada em US$ 19 bilhões pela Bloomberg – nos idos dos anos 70 no Banco Garantia, o empresário agora domina os gostos mais tradicionais do paladar norte-americano (e, pode-se dizer, brasileiro): cerveja, hambúrgueres e ketchup.

Isto porque já havia adquirido em 2010, em operação de US$ 4 bilhões, o controle da rede internacional de fast food  Burger King. Em 1989, comprou a Brahma, que posteriormente se uniu à rival Antarctica em 2000, iniciando a gigante das cervejas nacionais Ambev. Mas isso não pareceu ser suficiente para Lemann: em 2010, criou a Anheuser-Busch InBev, ao fundir-se com a cervejaria belga e domina atualmente cerca de 25% do mercado internacional do setor.

Também figuram na sua carteira de empresas a América Latina Logística (ALL), participação na ferroviária norte-americana CSX, as Lojas Americanas, a Submarino, Americanas.com, estas últimas dedicadas ao mercado de varejo.

Low profile

O currículo é realmente invejável, mas não para por aí. Ex-surfista de Copacabana e tenista – campeão brasileiro cinco vezes -, o empresário carioca contraria todas as expectativas de uma sociedade voltada ao espetáculo e é completamente avesso ao culto de sua imagem. Não costuma dar entrevistas, nem fazer aparições públicas em grandes eventos corporativos.

A linhagem empreendedora talvez esteja no sangue que corre em suas veias: no início do século sua família, originada da Suiça, veio ao Brasil onde criou uma velha conhecida dos brasileiros, a companhia de laticínios Leco.

Formado pela Escola Americana do Rio e, posteriormente, na prestigiosa universidade americana de Harvard, Lemann dedica boa parte de seu tempo a atividades filantrópicas, para, como é comum na cultura americana, dar retorno social àquilo que conquistou. Sua instituição, a Fundação Lemann, investe em projetos cujo objetivo é melhorar a educação pública.

O empreendedor vai além: em palestra sobre seus anos em Harvard, diz ter sua prática comum ajudar os brasileiros que passam por processo seletivo para a universidade a entrar definitivamente na instituição.

Por si só

“É um homem fundamentalmente com uma visão financeira. Para ele, as empresas são negócios, independentemente do setor em que estejam. Isso o aproxima de uma figura como Warren Buffet, que vê as empresas como ativos, à disposição de uma sociedade capitalista”, diz Claudio Felisoni Angelo, presidente do conselho do Provar da Fundação Instituto de Administração (FIA), apontada pelo jornal Financial Times como uma das 50 melhores instituições do mundo em programas abertos para a formação de executivos.

Para Felisoni, o espírito empreendedor de Lemann e de seus parceiros se distancia muito das práticas comuns do empresariado brasileiro, que muitas vezes se apoia em linhas de crédito com baixos juros do BNDES para dividir os riscos de seus investimentos.

“Ele desvirtua aquele pensamento antigo no Brasil do retorno sem risco do empresariado. Aqui fica muito patente isso. Em geral, um indivíduo vai dividir com o governo (e a sociedade) o risco do seu negócio. Não parece ser o caso dele. Não é uma pessoa com raízes em setores, mas com raízes em negócios” destacou.

Um amigo próximo de Lemann, que não quis se identificar, endossou essa preocupação do empresário em ser um self-made man, aquele que busca por si mesmo as suas conquistas, e destacou sua personalidade íntegra:

“Ele sempre valorizou as pessoas e privilegiou a qualidade da formação e da educação. Uma das coisas que ele mais valoriza é a integridade das pessoas. O seu estilo é de “governo pequeno”, ou seja, acha que a distribuição de benesses pelo governo não é uma maneira correta de se alcançar os objetivos. É apaixonado por tênis, surf e mergulho”, resumiu.

Na onda do risco

O próprio Lemann, ao avaliar a importância de Harvard em sua formação em evento do Instituo de Ensino e Pesquisa e da Fundação Estudar, considerou que a experiência de surfar uma onda “colossal” na praia de Copacabana na juventude o fez entender a dimensão da necessidade de correr riscos para atingir o sucesso. Apesar de reconhecer a importância vital do estudo, acredita que a faculdade ensina a ser cuidadoso e a vida significa correr riscos:

“Uma vez, a cada dois ou três anos, tinha uma tempestade e formavam-se umas ondas colossais em Copacabana. Eu me considerava um bom surfista e, junto com minha turma, decidimos que surfaríamos essas ondas gigantes, de 10 a 12 metros. Peguei a onda, senti que meu sangue todo corria para os pés. A velocidade era muito maior de tudo que eu estava acostumado. Gostei de sentir aquele perigo mas não queria repetir. Menciono essa história porque acho que uma coisa importante na vida é tomar alguns riscos. Uma coisa que sempre achei é que a faculdade não dá a habilidade para avaliar ou tomar riscos. Ensina a avaliar riscos teoricamente, e em geral ensina a não tomar riscos. Muita gente estuda muito e acha que aquilo vai resolver tudo, mas para fazer o excepcional tem que tomar riscos. E muitas vezes na minha vida de negócios, nas muitas das ocasiões que tive de enfrentar, me lembrava mais da onda do que o que tinha aprendido na faculdade”, disse Lemann a uma plateia de jovens.

Ex-funcionário da Brahma antes da fusão com a Antarctica e atualmente professor do Ibmec, Gilberto Braga destacou o estilo low profile do empresário e sua estratégia de estipular metas e objetivos desafiadores com recompensas generosas.

“O estilo de gestão dele é low profile. Normalmente, ele ocupa os cargos de Conselho de Administração, coloca jovens executivos com desafios e paga bem a eles, oferece ações, participação de lucros. A orientação por resultados e a recompensa para pessoas que produzem é uma tônica em todas as empresas de seu comando. Sempre coloca as pessoas para trabalhar com metas e objetivos, com recompensas bastante generosas em geral”, lembrou Braga.

O professor também ressaltou o fato do enmpresário ser um esportista, que já participou da Copa Davis nos anos 70, com hábitos de vida saudáveis e que “não é dado a extravagâncias”. Braga comentou ainda uma curiosidade tanto de Lemann quanto de seus sócios: a informalidade.

“Muito curioso é que todos são muito informais. Os executivos de suas empresas não usam terno e gravata, mas calça jeans e tênis. As pessoas não são medidas pela aparência, pela roupa. São respeitosos, mas informais”, recordou.

No entanto, nem tudo são rosas nas empresas controladas pelo trio de sócios. Ao ser questionado sobre o ritmo de trabalho, Braga afirmou ser “extenuante”.

Fonte: Jornal do Brasil