Por Erico Assis
FiQ 2013 – Belo Horizonte (Foto: Glenio Campregher)
Laerte foi o homenageado-mor do 8º FiQ – o Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, que terminou no dia 17. Foi exatamente neste último dia que ele tinha hora marcada para conversar com o público, respondendo perguntas de uma mesa polivalente (quadrinista, jornalista, ativista, filho) e da plateia. Como é próprio do Laerte, conseguiu resumir em meia dúzia de palavrinhas uma confusão que estava há dias na minha cabeça.
Numa das primeiras perguntas da plateia, Laerte foi questionado quanto ao que pensava do panorama dos quadrinhos no Brasil. Parafraseio a resposta: só o Festival ali em volta era prova de que não existe mais só o quadrinho brasileiro, mas os quadrinhos brasileiros.
Laerte estava falando da variedade de gêneros, de formatos, de estilos, de públicos, de temas, de variação que se vê na produção atual. Se nos anos 70, quando ele começou, havia poucas opções fora dos gêneros de massa, o que se vê hoje é a consequência do movimento que buscou mostrar as HQs como opções de leitura que podem abarcar o infantil, o adulto, o super-herói, a biografia, a filosofia, a arte experimental, a simplicidade estilizada, o underground, o cômico, o ensaístico e virtualmente tudo que se queira fazer com imagens e palavras.
A confusão vigorava na minha cabeça porque, como sempre, o Festival começou com discussões sobre o mercado de quadrinhos no Brasil, tanto nos debates marcados quanto nas rodas de colegas. Falava-se em canais de acesso: o número de bancas em queda, as livrarias estagnadas, o digital incipiente. Falava-se nas editoras sem ousadia: desconhecimento da mídia, foco em programas do governo, erros grosseiros de logística. Falava-se dos independentes: crowdfunding, capricho, ousadia e inovação, mas com alcance restrito de público. Não se falava de números, pois todo mundo esconde os seus. Falava-se que ainda é preciso alcançar novos leitores.
Laerte Coutinho, homenageado na FiQ 2013
Ninguém fora o Laerte, porém, lembrou que o quadrinho são quadrinhos. Ninguém falava de conteúdo. Ninguém falava das diferentes temáticas, dos diferentes estilos de texto, diferentes estilos de desenho, diferentes personagens.
O leitor recém-chegado aos quadrinhos – ou melhor, a um quadrinho – costuma chegar porque este quadrinho tem o mesmo Homem-Aranha que ele viu no filme. Ou porque trata da Segunda Guerra Mundial. Ou porque fecha com suas tendências políticas. Ou porque as aquarelas enchem seus olhos. Porque tem relação com mitologia greco-romana. Porque ele achou a capa animal. Porque é a autobiografia de um adolescente reprimido. Porque é uma história com o roqueiro preferido. Porque aquele cara é engraçado. Porque tem ninjas/zumbis/vikings/dachshunds/bukkake/aviões.
O caso é que o ponto de acesso mais comum do novo leitor não é o fato do quadrinho ser quadrinho, mas sim por ser uma leitura atraente. Se o novo leitor gostar deste ponto de acesso, posteriormente pode acompanhar nomes de autores, catálogos editoriais, outras opções do gênero, quem sabe até os quadrinhos em um nível macro.
Para os já iniciados e a meia dúzia de apóstolos (como eu) que gosta de quadrinho só por ser quadrinho, é fácil esquecer essa ideia aparentemente óbvia. O discurso que se passa ao público em formação é de que os quadrinhos são um mundo à parte, uma linguagem alheia aos gêneros, interesses e gostos, que só pode ser adentrada se você gostar de todos os quadrinhos.
Ainda naquela mesa com Laerte no FiQ, uma menina levantou-se e declarou que era recém-chegada aos quadrinhos. Havia chegado ao/à Laerte devido, nas palavras dela, às “discussões de gênero” que o autor embandeira – e estava contente com o mundo variado ainda em exploração.
E no dia em que eu estava escrevendo este texto, recebi o e-mail de um ex-aluno perguntando “por onde eu começo a ler quadrinhos?”. Se eu escrevesse sobre música, ele ia perguntar “por onde eu começo a ouvir música?”?
Fonte: Blog da Companhia
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