Por Tony Bellotto

Lembro de um jantar na casa do Luiz Schwarcz, no finalzinho dos anos 1990 se não me engano, em que conheci o escritor catalão Manuel Vázquez Montalbán. Havia vários escritores presentes e entre nós estava também o cubano Pedro Juan Gutiérrez. Lembro que naqueles dias o Gutiérrez carregava uma aura de pop star, um pop star meio outsider, o que só aumentava seu carisma. A Folha de S. Paulo publicava resenhas elogiosas aos seus livros, e o chamava de “Bukowsky cubano”, ou algo do gênero. O conteúdo erótico brutalista de seus contos, sempre em tom confessional, fazia dele uma espécie de escritor sex symbol, se é que cabe o paradoxo (bem, e o que é Ernest Hemingway senão o maior dos escritores sex symbol?). Não sei se por esse motivo, ou por conta de seu carisma pessoal, o Gutiérrez estava sempre cercado de pessoas durante o jantar, e brandindo um charuto nas mãos (acho que ainda apagado antes da refeição), esbanjava uma certa simpatia arrogante, o que só contribuía para sua reputação de admirável escritor maldito.

Juanjo Puigcorbé como “Pepe Carvalho”

Do outro lado da sala, um pouco ofuscado pelo sucesso do cubano, estava Manuel Vázquez Montalbán. O homenzinho vestia um terno vagabundo de funcionário público de peça de Nelson Rodrigues, e com uma taça de vinho na mão, observava solitário as lombadas dos livros nas estantes da sala do Luiz.

Fiquei paralisado. Ali estava o criador de Pepe Carvalho, o genial detetive de Barcelona, ex-membro do Partido Comunista Catalão e erudito desiludido que costuma queimar livros em sua lareira e, com a ajuda do secretário Biscuter, preparar delícias gastronomicamente incorretas, sempre banhadas em litros de vinho, conhaque, uísque e melancolia aguda.

Luiz, percebendo minha paralisia de fã, veio em meu auxílio e me apresentou ao Mestre, dizendo que eu também era um escritor policial. Sabendo da paixão do espanhol por vinhos, Luiz convidou-nos a acompanhá-lo até a sua adega. Até hoje sou muito grato ao Luiz por ter me proporcionado esse pequeno e mágico passeio. Não me lembro muito bem do que conversamos eu e Montalbán, afinal meu espanhol era tão claudicante quanto o português do Mestre, mas tenho certeza de que aquele foi um dos melhores papos da minha vida literária.

Mais tarde, já de volta à sala, continuamos a conversar. Das coisas que Montalbán me disse, me lembro de ele afirmar com muita ênfase que a Europa estava acabada e que nós, brasileiros, tínhamos a sorte de viver num país em que as coisas ainda estavam por acontecer.

Acabo de reler O Labirinto Grego, na minha opinião a obra-prima do Montalbán. Ao terminar a leitura, lembrei-me com carinho desse jantar na casa do Luiz, fui até a minha adega (que não é tão bombada quanto a do meu editor…) e desarrolhei um Rioja encorpado (preciso lembrar de comprar vinhos catalães…) e fiz um brinde ao Pepe Carvalho.

Aliás, foi com o Pepe Carvalho que aprendi que um bom aperitivo para o meio da tarde, entre o almoço e o jantar, é juntar uma pedra de gelo e um quarto de limão a um cálice de vinho do Porto.

 


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Tony Bellotto,

além de escritor, é compositor e guitarrista
da banda de rock Titãs.
Seu livro mais recente, Machu Picchu,
foi lançado em março de 2013.


 

Fonte: Blog da Companhia