Em recente jantar na Califórnia, o filósofo esloveno Slavoj Zizek levou um acompanhante, um compatriota fumante. O amigo quis fumar um cigarro na varanda. Diante da resposta negativa do anfitrião, o cidadão esloveno ofereceu a opção de fumar na rua, mas o ilustre anfitrião disse que isso “pegaria mal” para sua reputação nas redondezas. Em seguida, o anfitrião ofereceu uma rodada de drogas consideradas “não tão leves” para os convivas, escreve Zizek em seu novo livro, O Ano em Que Sonhamos Perigosamente (Boitempo, 144 págs., R$ 23). Drogas são mais perigosas do que fumar, o que está acontecendo neste mundo do politicamente correto?, pergunta Zizek. Ele mesmo responde: “Trata-se de um fenômeno lançado pelo mundo anglo-saxônico e isso tem uma dimensão de classe”. Em miúdos, os mais favorecidos doutrinam. Ao mesmo tempo, delineiam as diferenças entre o exagero de fumar um cigarro, um excesso, não um prazer, e o prazer de tomar uma droga, com moderação, é claro, que supostamente não provoca graves consequências.
O Ano em Que Sonhamos Perigosamente, em fase de lançamento no Brasil, é uma análise dos protestos que reverberaram de Túnis a Atenas em 2011. Para o autor, “embora os protestos sejam positivos, falta um programa”. Alma livre e espontânea, Zizek não prevê o futuro. Mas não deixa de ser iluminado. “Você pode”, diz Zizek, “canibalizar minhas respostas. Qualquer jornalista pode reproduzir o oposto do que eu lhe disse”. Não é o caso a seguir.
CartaCapital – Há diferentes circunstâncias nos protestos de 2011. Mas quais as semelhanças?
Slavoj Zizek – Não vejo semelhanças na patética maneira de ver as coisas da esquerda. Eles dizem que há um desejo de liberdade. A meu ver, todos esses movimentos reagem a diferentes aspectos do capitalismo global. E é por isso que esses movimentos são interessantes. Como sabemos, os liberais ocidentais dizem que os manifestantes mundo afora buscam uma democracia ocidental. Mas eu não acho que esse seja o caso. No Cairo, por exemplo, o objetivo era lutar contra as forças autoritárias. Além disso, não creio que o capitalismo gere uma demanda por uma democracia. Há diferentes tipos de democracias.
CC – Um exemplo seria a China?
SZ – A China é um sistema expansionista e dinâmico como países capitalistas do Ocidente. O sistema chinês é, no entanto, autoritário. O triste recado chinês é o seguinte: o capitalismo global será cada vez menos democrático. Imigrantes, que não estão integrados nas sociedades para as quais migram, são a prova. Em suma, mais capitalismo não resolverá esse problema. O problema é que os protestos de 2011 não oferecem uma resposta. Viajei mundo afora e me perguntei: “O que eles querem?” Não esperava um programa detalhado. Mas tudo o que você escuta dos manifestantes é uma crítica moralista: eles lutam contra a exploração e a corrupção. Querem uma volta de John Maynard Keynes, uma volta do Estado do Bem-Estar Social, controle de bancos, mais dinheiro para a saúde, a segurança e a educação. Ou seja, não há uma alternativa.
CC – Mas há diferenças nas demandas dessas distintas revoluções. No seu livro, o senhor argumenta que no Egito houve sólidas demandas seculares, e, ao mesmo tempo, em Wall Street não houve programa.
SZ – Sim, claro, há diferenças. Mas há semelhanças nessa emergente nação global. Mas, como em Wall Street, as coisas voltam ao normal no Cairo. Mesmo com 1 milhão de egípcios a manifestar na Praça Tahrir, é uma minoria. A maioria das revoluções foram assim. A revolução de outubro de 1917 é um exemplo. Lenin conseguiu o apoio de camponeses insatisfeitos com a Primeira Guerra Mundial, mas não da maioria da população russa. Portanto, não creio que a situação esteja pior atualmente. O problema é que não vejo como transformar os descontentamentos em organizações positivas. Estive na Grécia. Falei com muita gente, e me disseram que querem um capitalismo mais eficiente. Retruquei ser um objetivo difícil. A Grécia não tem uma estrutura para o tipo de capitalismo atual. No Brasil, em contrapartida, houve o Bolsa Família, que deu certo.
CC – O que o senhor acha do Bolsa Família?
SZ – O Bolsa Família foi um plano para redistribuir renda no País. Em miúdos, foi um plano para ajudar as pessoas com receitas inferiores.
CC – Quais as suas expectativas, e eis uma pergunta no mínimo difícil, para o mundo?
SZ – Não gosto da maneira como as coisas estão se desenvolvendo. O povo quer mudanças, mas a esquerda não tem opções para ele. O problema é que hoje agremiações de esquerda podem, ao contrário dos velhos tempos, chegar ao poder. Mas a esquerda está confusa.
CC – O senhor diz que essa esquerda tem um problema: ela moraliza.
SZ – Moralizar é sempre um sinal de derrota. Quando você precisa moralizar é porque você tem um problema real. Sempre desconfio de políticos que desconfiam de exploração financeira, especulação e banqueiros não honestos. Mas talvez devamos ser otimistas. A revolução no Egito não poderia ser o começo de algo novo?
CC – No seu livro, o senhor mencionou o discurso, no Cairo em 2009, de Barack Obama. Ele propôs uma solução de dois Estados, Palestina e Israel. Mas o senhor não opina a respeito.
SZ – Obama não é uma pessoa ruim. Esses esquerdistas como o ativista Tariq Ali estão errados sobre Obama. Tudo bem, Obama poderia ter feito mais em um senso radical, mas não pôde. Seu espaço sempre foi limitado. Obama é um político com boas intenções.
CC – Como reage quando críticos dizem que é um esquerdista populista?
SZ – A resposta está no livro Welcome To The Desert, pubicado no Brasil. Em Israel, fui considerado antissemita. E no Cairo me chamaram de propagandista. Fiquei contente. Quando os dois lados atacam é sinal de que você está no caminho certo. Sabe, quando eu era jovem, sonhávamos com um socialismo com rosto humano. Veja, o socialismo não funciona. E nem, acredito, na social-democracia. Portanto, a crise econômica de 2008 é uma grande derrota da esquerda. O motivo? A esquerda não tem opções para a crise.
Fonte: Carta Capital
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