ELEONORA DE LUCENA
de São Paulo
Flanando pela rua 24 de Maio, no centro de São Paulo, Antônio Ermírio de Moraes se interessou por um relógio importado numa vitrine. Entrou na loja e perguntou o preço. O vendedor observou a figura em desalinho do homem –roupa simples, mal arrumado, gravata fora do lugar– e respondeu secamente: –Esse não é para o teu bico, vá andando.
O empresário, um dos mais ricos do Brasil, não retrucou e seguiu caminhando até a sede do Grupo Votorantim, na praça Ramos de Azevedo. De lá, comandou um dos maiores conglomerados do continente, atuante em siderurgia, mineração, energia, cimento, celulose, agroindústria, finanças.
A história do vendedor arrogante e do milionário resignado é narrada pelo sociólogo José Pastore em “Antônio Ermírio de Moraes, Memórias de um Diário Confidencial”, em maio nas livrarias.
Pastore convive com Ermírio há 35 anos. Conheceu o empresário em 1979, quando trabalhava no Ministério do Trabalho no governo Figueiredo. Depois, em 1986, atuou na campanha do dono da Votorantim ao governo do Estado de São Paulo. A partir daí, esteve sempre ao lado de Ermírio, acompanhando a evolução do grupo, a ação filantrópica do empresário e até suas incursões no meio artístico como dramaturgo.
No seu relato, Pastore mostra bastidores de um homem obstinado com o trabalho, defensor intransigente do nacionalismo, crítico da especulação financeira. Também aparecem facetas de um personagem de “estopim curto, exageradamente exigente, autoritário” e avesso ao exibicionismo e consumismo.
“Ele não sabe descansar. Tem vergonha de ficar na piscina enquanto os empregados estão trabalhando”, diz Maria Regina, mulher de Ermírio, no livro.
EMPRESÁRIO NACIONAL
Pastore lembra da liderança que Ermírio exerceu entre os empresários, dos seus embates com os ministros dos governos militares e da sua atuação no movimento pela redemocratização.
“Antônio sempre temeu uma eventual desindustrialização do país, tendo sido um defensor incansável da necessidade de fortalecer as empresas nacionais”, diz Pastore.
Crítico dos juros altos –“juro é uma espécie de foguete que dispara a inflação”–, Ermírio atacou o sistema financeiro: “Se eu não acreditasse no Brasil, seria banqueiro”, disse.
Quando foi criado o Banco Votorantim, Ermírio não se conformava com o fato de o banco –que ocupava apenas um andar e empregava poucos funcionários– dar mais lucro do que a sua Companhia Brasileira de Alumínio.
“Fico triste ao ver que uma coisa tão fácil é mais lucrativa do que algo que me tomou a vida inteira”, constatou.
O livro entra nos meandros da campanha a governador de Ermírio e conta como o então candidato ficou chocado com as manobras políticas e fisiológicas: todos que o abordavam pediam cargos para “poder viver sem trabalhar pelo resto da vida”.
“Você acha que eu vou sair da Votorantim para viabilizar suas mutretas?”, respondeu uma vez o empresário.
Segundo Pastore, a frustração com a política levou Ermírio a escrever peças teatrais. Afinal, concluiu que “a política é o maior de todos os teatros”. As idas e vindas da experiência do empresário na dramaturgia é um dos pontos mais atraentes do livro.
O teatro acabou “quebrando a rigidez do empresário durão”, avalia Pastore. Nessa metamorfose, Ermírio passou a acompanhar ensaios noite adentro –e teve que conviver com críticas.
A prática da escrita Ermírio exerceu por 17 anos em sua coluna dominical na Folha. O livro reproduz algumas passagens dos textos e conta como o empresário se dedicava a elaborar uma narrativa atrativa para a divulgação de suas teses sobre o Brasil.
Neto de sapateiro, Ermírio vivia repetindo que queria morrer trabalhando. “Por ironia do destino”, diz Pastore, o empresário “acabou tendo uma combinação de doenças que afetaram sua mente e seus movimentos, imobilizando-o numa cama”: ele sofre de hidrocefalia e mal de Alzheimer. “Foi um destino cruel”, escreve o sociólogo.
Deixando de lado o Grupo Votorantim, que chegou a ser considerado a melhor empresa familiar do mundo, o autor se concentra na pessoa. Conta casos pitorescos -como quando Ermírio foi tirar satisfações de uma gangue que planejava sequestrá-lo.
No prefácio do livro, Fernando Henrique Cardoso afirma que Ermírio é “o tipo ideal de ‘empresário nacional'”. De fato, o relato do fiel escudeiro Pastore ajuda a entender um personagem fundamental para a história recente do país.
Sem telefone celular, ele enxergava vantagem na antiga régua de cálculo em relação ao computador: ela “obriga a pensar”, defendia.
Convivendo com poucos amigos, dizia que não conhecia shoppings. “Mas o senhor não compra nada?”, lhe perguntou uma vez uma repórter. A resposta: “Compro, sim. Compro fábricas”.
Fonte: Folha de S. Paulo
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