A possibilidade de trazer espécies extintas de volta à vida está se tornando cada vez mais próxima da realidade. Mas, enquanto a ciência e a tecnologia se ocupam dos caminhos técnicos que possibilitam tornar a volta dos animais extintos realidade, surge a necessidade de discutir os aspectos éticos e sociais relacionados a essa prática. O primeiro sinal dessa preocupação foi a realização, em março deste ano, de uma conferência TEDx sobre o tema. O TEDx é uma versão local e independente das grandes conferências TED, eventos sem fins lucrativos que se dedicam a debater e difundir ideias relevantes e inovadoras. No encontro, realizado em Washington, foram levantadas perguntas como quais animais deveriam ser trazidos de volta à vida e se somente aqueles extintos pelo homem deveriam ser objeto dessas técnicas.

Reprodução de Neandertal feita pela Universidade de Zurique, na Suíça: “Nós temos a sequência completa de DNA dos neandertais, mas os seres humanos extintos jamais deveriam ser trazidos de volta”, diz Greely (Domínio público/Wikipedia)

Este mês, dois pesquisadores da Universidade Stanford, Jacob Sherkow e Henry Greely, publicaram na revista Science uma espécie de “revisão de literatura” sobre o tema. Sem dar grande destaque aos detalhes científicos do “como” fazer a “desextinção” e excluindo o “se”, uma vez que os autores consideram certo que ela vai acontecer, eles discutem os possíveis riscos e benefícios associados a esta prática.

Nesta etapa, não basta pensar apenas no animal que pode ser trazido de volta, é preciso considerar sua relação com o meio ambiente. Muitas espécies não encontrariam mais seus habitats naturais se voltassem a viver na Terra nos dias de hoje. Para os pesquisadores, isso pode tanto incentivar o homem a conservar e recriar ecossistemas extintos ou danificados, quanto impossibilitar que os animais trazidos de volta sejam devolvidos à natureza. O artigo questiona: será que os habitantes dos Estados Unidos e do Canadá gostariam de ter de volta os imensos bandos de pombos-viajantes?

Por outro lado, alguns pesquisadores defendem que o retorno dos mamutes-lanosos poderia ajudar a reestabelecer a vegetação de estepe no Ártico, caracterizada pela presença de plantas rasteiras, em lugar da tundra, vegetação menos rica ecologicamente, composta por musgos, liquens e pequenos arbustos.

Em entrevista ao site de VEJA, Henry Greely, especialista em bioética e um dos autores do artigo da Science, defende que a “desextinção” seja feita, mas com regras bem definidas. Para ele, é preciso avaliar muito bem o impacto que a espécie trazida de volta pode ter sobre o meio ambiente, além de não deixar que essa possibilidade desvie os esforços voltados para a preservação de espécies ameaçadas de extinção atualmente. Greely admite que um dos melhores argumentos para defender que mamutes e outros animais sejam trazidos de volta à vida é que seria “fascinante”, mas é categórico quando ao único animal que considera terminantemente antiético trazer de volta: espécies humanas extintas.

Na opinião do senhor, a ciência está próxima de tornar realidade o retorno de espécies extintas? Depende de qual método estamos falando. De certa forma, uma equipe espanhola já fez isso se tornar realidade para o íbex-dos-pireneus (Capra pyrenaica pyrenaica), que foi extinto em 2000. Infelizmente, o filhote clonado morreu dez minutos após nascer. Porém durante esses dez minutos eles trouxeram de volta uma subespécie extinta. Usando a clonagem, acho que seremos bem-sucedidos em breve. Talvez ainda não o bastante para que os animais sejam introduzidos na natureza, mas provavelmente haverá alguns indivíduos de espécies extintas trazidos de volta em um ano ou dois.

O que pode ser considerado “desextinguir” uma espécie? Quantos indivíduos são necessários para isso? Não há uma resposta definitiva para esta questão. Existem algumas espécies que têm indivíduos vivos, mas estão efetivamente extintas, porque têm poucos animais restantes e eles estão velhos demais para se reproduzir. Acredito que é necessário ter indivíduos o bastante para formar uma população autossustentável que possa se reproduzir e, preferencialmente, que possa existir na natureza. A quantidade varia de acordo com a espécie, mas acredito que seriam necessários pelo menos 20, 50 ou 100 indivíduos antes que seja possível dizer que uma espécie foi realmente trazida de volta. O elefante marinho setentrional (Mirounga angustirostris) era um animal que se acreditava estar extinto, mas, no início do século XX, uma quantidade relativamente pequena de indivíduos, entre 20 e 100 espécimes, foi encontrada na Ilha de Guadalupe, próxima ao México. Eles foram protegidos e agora existem mais de 50.000 deles. Então um número pequeno pode gerar uma população, mas são necessários mais do que três ou quatro indivíduos.

Quais são as condições necessárias para que seja possível “ressuscitar” espécies? Qual é o tempo máximo que o animal pode estar extinto? Depende do método utilizado. Para realizar a clonagem são necessárias células congeladas, então isso só é válido para animais extintos por volta dos últimos trinta anos. A seleção retroativa é o que tem sido feito na Europa com um tipo de gado chamado auroque (Bos primigenius). O auroque foi extinto, mas seus genes ainda existem no gado moderno, então as pessoas estão tentando fazer com que o gado moderno se reproduza de forma a tentar recriar um auroque. Isso provavelmente pode ser feito, mas apenas com espécies que foram extintas há algumas centenas ou milhares de anos, pois é necessário que esses animais ainda possuam seus genes preservados em descendentes. Já para a engenharia genética, duas coisas são necessárias: a sequência do DNA do animal extinto e a de um animal moderno que seja próximo a ele e possa ser modificado para se tornar o animal extinto. No caso do mamute, nós temos o seu DNA e temos os elefantes, que são semelhantes a eles e podem ser usados para criar um novo mamute. Nós temos também DNA de dodôs (Raphus cucullatus), mas eles são aves estranhas e não sabemos se algum animal ainda vivo é próximo o bastante deles para possibilitar a sua volta. Provavelmente a ciência não vai conseguir DNA de mais de 100.000 anos atrás. Os últimos dinossauros morreram há cerca de 65 milhões de anos, então não vai existir um Jurassic Park.

Algumas pessoas dizem que nós devemos trazer de volta os animais que foram extintos pela ação do homem. Seria correto? A ideia de que nós matamos essas espécies e agora podemos trazê-las de volta é atrativa. Parece justo que os tragamos de volta, mas nós não matamos o pombo-viajante ou o mamute-lanoso — nossos ancestrais podem ter feito isso. Nós realmente temos obrigações para com uma espécie extinta? Para mim isso não é claro. Esse argumento é atraente, mas não sei se ele funciona logicamente. Além disso, há alguns casos em que não sabemos se foi a ação humana que levou determinada espécie à extinção. Nós sabemos que o homem matava mamutes, mas não sabemos se foi isso que os levou à extinção. Provavelmente não os ajudou, mas a Era do Gelo estava acabando, o clima estava mudando, o quão responsáveis são os homens pela extinção dos mamutes? E há animais que foram extintos sem intervenção humana. Nós devemos trazê-los de volta, ou não? Essa não é a principal razão pela qual eu apoiaria trazer de volta algumas espécies extintas. Para mim é uma combinação do conhecimento científico que nós poderíamos obter sobre essas espécies e o fato de que seria incrível. Seria muito legal ver um mamute-lanoso. Nós não pensamos que ser “legal” seja um bom argumento para fazer coisas, mas na vida a gente faz muitas coisas porque achamos que seria interessante, fascinante, ou apenas legal.

Dentre as espécies cogitadas para fazer o caminho de volta, há alguma que o senhor acha que não seria ético “reviver”? Sim, há um gênero em particular que não deveria ser trazido de volta: os seres humanos extintos. Nós temos a sequência completa de DNA dos neandertais e de outras espécies humanas relativamente recentes, como o Hominídeo de Denisova [espécie extinta de hominídeo que ocupava grande parte da Ásia e dividiu a Terra com neandertais e humanos entre 400.000 e 50.000 anos atrás]. Seria possível tentar trazê-los de volta, mas seria perigoso para a saúde das mães humanas que fariam a gestação e para os bebês também. E mesmo se a experiência fosse bem sucedida, seria irresponsável socialmente: como nós trataríamos neandertais? Não penso que os trataríamos adequadamente. Trazer de volta espécies humanas extintas seria um erro ético, tanto pela segurança quanto pela possibilidade de discriminação.

O senhor escreve em seu artigo que fazer espécies ressurgirem é algo que vai acontecer e a questão é como nós vamos lidar com isso. Como o senhor acha, então, que devemos lidar com isso? Com cuidado. Não acho que devamos banir a desextinção completamente. Os riscos são relativamente pequenos e, se os benefícios potenciais não são imensos, também não são irrelevantes. É necessário regulamentá-la. Devemos nos certificar de que os processos não são cruéis e dolorosos para os animais envolvidos. Se todas as vezes que tentarmos trazer de volta um íbex-dos-pireneus ele morrer depois de dez minutos, é melhor parar. Outro ponto com o qual é preciso ter cuidado é não introduzir no meio ambiente animais que possam ser perigosos para ele e provocar mudanças. Outro grande problema, e isso é algo que não pode ser resolvido com a regulamentação, é que seria uma tragédia se a técnica prejudicasse os esforços para proteger espécies atualmente ameaçadas. Seria loucura deixar espécies se extinguirem apenas por pensar que “nós podemos trazê-las de volta no futuro se quisermos”. Eu acho que a “ressurreição” de espécies sempre será difícil, cara e incerta.

Quais são os benefícios potenciais que a técnica pode trazer? Ela pode trazer muito conhecimento científico. É possível aprender muito sobre um animal extinto através de seus ossos, mas podemos aprender ainda mais de um animal vivo. Eu acredito que a desextinção, especialmente a abordagem da engenharia genética, pode acelerar o avanço tecnológico. E, dependendo da situação, ela pode melhorar a ecologia de uma região. Alguns cientistas, por exemplo, afirmam que trazer os mamutes de volta melhoraria o ecossistema do Ártico.

Qual a opinião do senhor sobre o argumento de que “a ciência tem outras prioridades”? Eu concordo com esse argumento. Não gostaria de desviar dinheiro que seria usado para pesquisas sobre doenças infecciosas ou a cura do câncer para a “ressurreição” de espécies. Ela é interessante, mas de prioridade relativamente baixa. Porém esse é um argumento complicado. Eu adoro o fato de que existam robôs estudando Marte, mas não acho que estudar Marte é particularmente importante para a vida na Terra. Nesse sentido, trazer espécies extintas de volta à vida é mais ou menos como a exploração de Marte: não é uma prioridade, mas tem valor potencial.

 

Fonte: Revista Veja